Boletim de Serviço Eletrônico em 03/10/2023

 Timbre

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CONSELHO UNIVERSITÁRIO - ConsUni
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RESOLUÇÃO CONSUNI Nº 118/2023

  

Dispõe sobre a Política para Prevenção, Redução e Mitigação de Danos da Violência na Universidade Federal de São Carlos.

 

O Conselho Universitário da Universidade Federal de São Carlos, no exercício das suas atribuições legais e daquelas que lhe conferem o Estatuto e o Regimento Geral da UFSCar, reunido em caráter extraordinário, em 29 de setembro de 2023,  considerando a documentação que compõe o  Processo SEI-UFSCar nº 23112.013080/2021-34, em especial a proposta (SEI 1203595) encaminhada pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria GR 5135/29021 e atualizada pela Portaria GR 5877/2022,

 

RESOLVE:

 

Art. 1º. Aprovar a Política para Prevenção, Redução e Mitigação de Danos da Violência na Universidade Federal de São Carlos, anexa a presente Resolução.

Art. 2º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação no Boletim de Serviço Eletrônico do SEI-UFSCar.

 

 

 

Profa. Dra. Ana Beatriz de Oliveira

Presidente do Conselho Universitário

 

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Anexo à Resolução ConsUni nº 118/2023

 

POLÍTICA INSTITUCIONAL PARA A PREVENÇÃO, REDUÇÃO E MITIGAÇÃO DE DANOS DA VIOLÊNCIA

 


SEÇÃO 1

DOS FUNDAMENTOS

 

1.1) Dos fundamentos teóricos e conceituais

 

Universidade como organização de responsabilidade social

As Universidades são organizações sociais com objetivo final de produzir e disseminar conhecimento. Essas organizações têm um papel crucial na sociedade ao liderar processos de produção e disseminação de pesquisa e tecnologia, formando recursos humanos de alta qualificação. Entretanto, sendo dimensionada como organização de responsabilidade social, se enseja que a universidade cumpra inalienavelmente um papel transformador na sociedade onde se insere, sendo igualmente transformada por ela. Dessa perspectiva social, essa organização ao desenvolver seus objetivos fins intrinsecamente teria como atribuição:  promover novos conhecimentos e habilidades de forma a atender aos desafios de crescimento sustentável; contribuir para uma maior consciência da responsabilidade pública nas tomadas de decisões; promover comportamentos que resultem numa sociedade mais igualitária e justa; formar cidadãos/cidadãs socialmente comprometidos/as e consumidores/as responsáveis, entre outras. (Hernández, et al., 2020; Luca, et al., 2013; Turkkahraman, 2015).

E essa identidade não é uma representação hodierna. Historicamente, desde os seus primórdios, para além do seu papel de promoção de novos conhecimentos e tecnologias, as universidades exercem fundamental papel no desenvolvimento de novos valores culturais, preparando e promovendo o crescimento das pessoas para novas formas de viver em sociedade. Nesse novo milênio se discute a responsabilidade social da Universidade para além das suas ações extensionistas ou projetos sociais; que reconheça institucionalmente o seu papel de protagonismo nos processos de transformação da sociedade. Espera-se que a universidade se planeje, em todos os níveis, para uma cultura organizacional na direção da responsabilidade social, do comportamento ético, baseado na integridade e no respeito. Para tanto, a instituição precisa se organizar para promover o pensamento crítico e solidário, priorizando atuações trans e interdisciplinares que contribuíam para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade onde está inserida (Hernández, et al., 2020; Luca, et al., 2013; Turkkahraman, 2015).

Aliar excelência acadêmica com compromisso social é projetar uma universidade que foque na produção de conhecimentos e na formação de profissionais e de cidadãos/ãs. Falha uma universidade quando consegue formar excelentes profissionais com competências técnicas, mas que não conseguem desenvolver e praticar valores como a reflexão crítica, a solidariedade e a empatia.

Faz parte do papel de uma universidade pública colaborar para a construção de uma sociedade cada vez mais justa e, para tanto, é fundamental evidenciar que a ciência é aliada dos processos de interpretação crítica da sociedade e dos indivíduos.

 

Violência: definição e tipologia

Um problema social que atinge pessoas de todas as classes, em todos os recantos da terra, é a violência. Esse fenômeno é um flagelo que devasta comunidades, ameaçando vidas, impactando no bem-estar e na saúde de todas as pessoas envolvidas em sua teia. As pesquisas sobre violência produziram inúmeras e, algumas vezes, conflitantes definições desse processo. Por exemplo, pesquisas na área de psicologia social, saúde e etologia animal podem trazer elementos diametralmente distintos para o entendimento do mesmo fenômeno (Hamby, 2017).

No entanto, para o objetivo da construção da política institucional, estamos propondo adotar como alicerce a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa organização define violência como:  O uso intencional da força ou do poder, real ou na forma de ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (WHO, 2002, p. 5). 

Dessa perspectiva entendemos que Violência seria padrões de comportamentos que, intencionalmente e de forma coercitiva, têm como objetivo estabelecer e manter controle/domínio, sobre outros seres vivos sencientes, a saber, seres vivos capazes de sentir dor ou desfrutar bem-estar. Em especial, no cerne dessa proposta, estamos enfatizando o fenômeno quanto direcionado para outros seres humanos, tais como: familiares, membros da mesma residência, parceiros/as íntimos/as, colegas ou grupos de trabalho ou comunitários. Violência e outras formas de abuso são entendidos aqui como reflexo direto da tentativa de manutenção do poder exercido pelo abusador sobre sua vítima; como corolário, toda a forma de violência estaria alicerçada numa forma de desigualdade. Por exemplo, a violência familiar somente pode ser completamente entendida e endereçada, num determinado grupo social, quando identificamos nas suas raízes os elementos que contribuem para a desigualdade de sexo entre seus membros. Dessa perspectiva, a violência pode ser o resultado de qualquer desequilíbrio ou desigualdade no poder, entre diferentes indivíduos ou grupos; desigualdade que pode ser construída considerando fatores diversos, tais como: idade, habilidade cognitiva e/ou física, papel social, crença, etnicidade, raça, status econômico, gênero, orientação sexual, entre outros. (Galtung & Fischer, 2013).

A violência é entendida como um dispositivo de controle aberto e contínuo, uma relação social caracterizada pelo uso real ou virtual da coerção; uso de força ou da opressão justificado pelo não reconhecimento do outro, seja da pessoa, classe, gênero ou raça. Da perspectiva esposada pela OMS (WHO, 2002), a violência abarca no seu escopo tanto comportamentos extremamente violentos, quanto diferentes formas de abuso; incluiria tanto violência interpessoal, quanto comportamento suicida ou conflitos armados. Envolveria uma variedade de ações indo além dos atos físicos de violência, abrangendo ameaças e intimidação. Identifica como consequência do comportamento violento aspectos que se estendem para além da morte ou lesões/mutilações físicas; inclui danos psicológicos, privação e impactos no desenvolvimento que comprometem o bem-estar dos indivíduos, famílias e comunidades. Por sua própria natureza e pela extensão dos danos observados, a violência e todas as formas de abuso se configurariam na dimensão oposta da visão contemporânea ensejada para uma sociedade democrática (Santos, 1996; WHO, 2002).

A OMS propõe uma tipologia considerando majoritariamente as características daqueles que cometem o ato violento. Dessa perspectiva são propostas três categorias amplas de violência: 1) autodirigida; 2) interpessoal; e, 3) coletiva. Seriam incluídos na primeira categoria, violência autodirigida, comportamentos infligidos pelo próprio indivíduo a si mesmo, sendo tentativas de suicídio e comportamento de automutilação exemplos dessa natureza. A violência interpessoal, a segunda categoria, diria respeito àqueles comportamentos violentos exercidos sobre indivíduos por outros indivíduos ou por pequenos grupos de uma comunidade. Dentro da família podemos observar frequentemente, como exemplos desse tipo de violência, comportamentos de abuso a crianças e idosos, violência entre parceiros/as íntimos/as, entre outros; na comunidade incluiria comportamentos como atos randômicos de violência, assédio ou abuso sexual por estranhos, violência em ambientes institucionais como escolas, universidades, locais de trabalho, prisões, entre outros. E finalmente, na violência coletiva comportamentos violentos são disponibilizados através de grupos organizados; a violência nesses casos tem como objetivo fazer cumprir uma agenda social específica. São exemplos dessa categoria grupos organizados que implementam crimes de ódio, atos de terrorismo, entre outros; guerras, violência de estado, ataques com o objetivo de desequilibrar atividades econômicas, ações que visam isolar sociedades e agrupamentos humanos negando serviços essenciais, entre outros.  A Figura 1 disponibiliza uma representação dessas categorias e sua relação com a natureza da violência, a saber: violência física, sexual, psicológica e privação/negligência.

Adicionalmente, a mesma organização de saúde organiza subtipos de categorias considerando a natureza da violência exercida pelo agressor, a saber: violência física, sexual, psicológica e privação/negligência. Dizemos que a violência é de natureza física quando pessoas individualmente (ou um grupo delas) usa uma parte de seu corpo (ex. mãos, braços, torso, entre outros) ou objetos externos (ex. armas, vassouras, facas, entre outros) para controlar uma outra pessoa ou grupo. A violência sexual ocorre quando uma pessoa é forçada, contra a sua vontade, a tomar parte em atividades sexuais. Violência Psicológica envolveria comportamentos de natureza verbal/simbólica, dispostos de tal forma por uma pessoa ou por um grupo, com o objetivo de fomentar medo num indivíduo ou grupo; algumas vezes visa ofender e “ferir” a vítima, produzindo sentimento de autodepreciação ou fomentando a diminuição da percepção do valor humano desse individuo ou grupo, objeto desse ato. A violência por negligência ocorre quando alguém que tem a responsabilidade de prover cuidado ou assistência, para um indivíduo ou grupo, não o faz causando danos no desenvolvimento e bem-estar físico, cognitivo e/ou emocional. (OMS, 2002, p.07)

Embora não esteja presente na tipologia proposta pela OMS (2002), a violência financeira tem sido objeto de repetidos estudos nas duas últimas décadas. A violência financeira tem sido especialmente investigada na literatura que endereça a violência entre parceiros íntimos (Postmus, et al., 2011; Stelko-Pereira, et. al., 2010).  Entendida como um tipo de violência patrimonial contra a vítima, envolve condutas que configuram a retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos. Usualmente esse tipo de violência é construído numa relação em que a vítima fica submetida a vontade do vitimador por dependência econômica, por empobrecimento das condições de autossuficiência. Embora majoritariamente estudada nas relações de parcerias íntimas, esse tipo de violência tem sido objeto de estudo com populações de idosos (Alarcon, et al., 2019), adolescentes e jovens adultos homossexuais (Braga, et al, 2018), entre outros.

Para a sociedade do atual milênio, uma reflexão importante sobre violência nos foi apresentada e organizada por Galtung (Galtung & Fischer, 2013). Esse autor defende que para construirmos a paz em sociedade, precisamos entender o triângulo da violência. Propõe três tipos de violência, considerando a visibilidade do responsável e o tempo de manutenção dessa foram de violência nos grupos humanos: 1) violência direta; 2) violência estrutural; e, 3) violência cultural.  A violência direta seria aquela mais conhecida e visível. Seriam atos que causam danos físicos a alguém ou alguma coisa. Atos como socos, tapas, bombardeios no front de guerra, ataques terroristas são exemplos desse tipo de violência. Nesses atos a responsabilidade do agressor é usualmente aparente, num recorte de tempo quase sempre determinado.

A violência estrutural é um tipo de violência indireta, onde o ator não é identificável. Essa violência se apresentaria diretamente relacionada à constituição e estrutura do sistema socioeconômico; seria produto da desigualdade na distribuição de poder e bens. Para os autores, a violência promovida contra esses indivíduos ou grupos seria empobrecimento, fome, falta de acesso a bens e recursos. Esses processos levariam esses indivíduos à morte, adoecimento e perda de bem-estar, sem que necessariamente sejamos capazes de identificar nominalmente os culpados.

A violência cultural é considerada aquela mais sutil, indireta e, infelizmente, duradoura. Ela nasceria na esfera simbólica, nas crenças e nos costumes dos seres humanos; nesse caso, crenças, regras, hábitos sociais e culturalmente arraigados são utilizados para justificar ou legitimar atos de violência. Essa violência estaria alicerçada nas diferenças culturais, étnicas e de gênero, se manifestando através da arte, religião, ideologia, linguagens e ciência. O preconceito racial e a intolerância religiosa, seriam alguns dos exemplos desse tipo de violência. Na violência cultural, atos brutais e danosos, que produzem profundo sofrimento, podem ser legitimados e socialmente aceitos por sua longa persistência nas relações sociais e de poder.

Naturalmente, todas as definições de violência apresentadas nesse escopo não esgotam ou contém toda a complexidade envolvida nas dinâmicas impostas pela temática. Além disso, a violência acontece num ambiente físico e econômico dinâmico e complexo. É importante entender como aspectos do ambiente físico, social, econômico e cultural interagem para produzir condições cada vez menos violentas, promotoras de igualdade, de equidade e de paz social. Defende-se que uma das responsabilidades sociais urgentes da ciência atual é produzir conhecimento sobre esse fenômeno e seus processos.

A violência que perpassa as relações sociais, se constrói entrelaçada com as condições dos seus espaços físicos internos e da sua colocação geográfica; da realidade sócio-política prevalente no seu entorno, nos seus territórios e da própria federação. Considerando o funcionamento diário e complexo da instituição, com diferentes níveis de inserção da comunidade nos seus municípios, é essencial pensarmos os espaços abertos e as áreas construídas como ambientes de convivência e troca; potencialmente facilitadores ou inibidores do exercício da violência. As condições dos ambientes físicos precisam ser dimensionadas e organizadas como um dos fatores de segurança e bem-estar da comunidade (Sui, 2018). Uma ambiência que favoreça uma variedade de experiências vividas, iluminação adequada, espaços com funcionalidade, porém produzindo equilíbrio para o bem-estar dos seres sencientes que o povoam; espaços para promoção de encontros saudáveis, lazer e práticas sociais, mas também contribuindo para a prevenção de ações violentas (Ali, et al., 2020; Huang, et al., 2022). É importante coordenar com diferentes atores sociais, internos e externos, para que um ambiente seguro seja fomentado dentro dos nossos espaços e que esse bem-estar transborde para além das fronteiras limites dos nossos “muros”.

 

1.2) Das evidências fundantes

 

Violência no Brasil e na UFSCar

Usualmente quando falamos em violência nas instituições de ensino superior a representação mais imediata e universalmente identificada são as práticas dos trotes. Esse processo de iniciação à vida acadêmica tem sido objeto de preocupação por décadas, desafiando as instituições a encontrar o equilíbrio entre receber, acolher e proteger os iniciados das forças de exercício de poder que emerge nesse antigo ritual de passagem (Silva, 2016; Tercetti, 2020; Vicente, 2021)

No entanto, a violência em comunidades universitárias vai muito além dos limites do exercício dos trotes. Essas instituições refletem a sociedade que a circunda e dentro dos seus limites são observados todos os tipos de violência: estupro, agressão, brigas, violência no namoro, assédio sexual, ódio, preconceitos, perseguição, conduta desordeira, crimes contra a propriedade, automutilação e suicídio, e em casos extremos, assassinato (Langford, 2004; GAO, 2020).

O Atlas da Violência, na sua última edição publicada em 2021, retratou a violência no Brasil utilizando majoritariamente indicadores retirados do Sistema de Informações sobre mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, analisando os dados até o ano de 2019. Segundo essa publicação foram registrados 45.503 homicídios no Brasil no ano de 2019, o que corresponderia a 21,7 mortes por 100 mil habitantes. A violência é a principal causa de morte de jovens no Brasil; em 2019, 51,3% das vítimas de homicídios foram jovens entre 15 e 29 anos, sendo homens 93,9% dessas vítimas.  De fato, a correlação entre a violência letal e a masculinidade não é observada unicamente no Brasil; os homens são a maioria das vítimas, assim como são os perpetradores majoritários da violência (Cerqueira, 2021).

No mesmo ano 3.737 mulheres foram vitimadas por homicídios oficialmente registrados e outras 3.756 sofreram mortes violentas, mas sem indicação precisa da causa. O número de mulheres assassinadas nas suas residências foi de 1.246; sendo, portanto, o feminicídio responsável por 33,3% dos óbitos. Dos casos registrados oficialmente como morte por homicídio, 66% eram mulheres negras. O documento afirma que “em 2009, a taxa de mortalidade de mulheres negras era 48,5% superior à de mulheres não negras, e onze anos depois a taxa de mortalidade de mulheres negras é 65,8% superior à de não negras ”(p.38). No entanto, o viés racial nas mortes violentas não se restringe somente às mulheres. Os negros representaram 77% das vítimas de homicídios no País. No cômputo foi observado que a taxa de violência letal contra pessoas negras foi 162% maior que entre não negras.

O Documento do IPEA (Cerqueira, 2021) continua apontando indicadores de violência contra a população LGBTQIAP+, povos indígenas, moradores de ruas, portadores de deficiências e idosos. Embora em todos esses casos os dados sejam marcados pela subnotificação ou pela ausência de informações comparáveis ao longo dos anos, os indicadores envolvendo todas essas populações demonstram uma face violenta do País. As estatísticas desvelam um Brasil marcado pelo racismo, pela transfobia, pela misoginia e por outras violências e preconceitos característicos de um país colonizado; uma nação que carrega o peso do patriarcalismo e da ignominiosa herança da escravização.

 E a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) não tem como fugir desse legado. Pesquisa realizada entre maio e outubro de 2018, teve como objetivo geral mapear a violência de gênero na instituição, em especial nos cursos de seu Campus em São Carlos. A pesquisa descritiva-transversal e inferencial disponibilizou um questionário on-line para membros dessa comunidade (Montrone, et al., 2020). Foram registradas 2.277 respostas, com 84% dos respondentes apresentado uma idade menor que 26 anos, sendo 41% de cursos ligados ao Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia (CCET), 33% do Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH) e 26% do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS). Na amostra, 97% se declarou cisgênero, 31% bissexual/homossexual, e 26% de etnia parda ou negra. Observou-se que 74,4% dos/as estudantes presenciaram algum evento que identificaram como violento e 36,1% declararam ter sofrido algum tipo de violência de gênero. As formas mais testemunhadas foram: 1) violência psicológica tais como humilhar, insultar, ameaçar ou perseguir (75,1%); 2) comentários sexistas sobre a capacidade intelectual das mulheres ou seu papel na sociedade (74,1%); 3) comentários sobre forma de vestir ou estilo de cabelo (63,3%); 4) beijo ou caricia sem consentimento; (4) ameaça por comentários, olhares, mensagens eletrônicas, perseguições ou ser vigiadas (52,6%); (5) rumores sobre vida sexual; (6) pressão para ter relações sexuais (41,8%); (7) pressão para manter relações afetivo-sexuais (33,8%); e, (8) agressões físicas como bater, empurrar, chutar ou amarrar (24,8%). 

Destacando informações sobre aqueles/as que declaram ter sofrido violência, vemos: Dentre os/as estudantes que declaram ter sofrido violência, os tipos mais relatados foram: psicológica (77%); moral (65%); sexual (31%) e física (12%). No caso da violência sexual, o assédio (40%) e a exploração sexual (33,3%) foram os mais citados, seguidos de estupro (6,93%) e atentado violento ao pudor (4,13%). (Montrone, et al. 2020, p. 12)

A pesquisa aponta ainda que a vivência abusiva acontece em repúblicas (55,2%), mas igualmente em áreas dentro do campus da instituição, a saber: 1) nas salas de aula (51,8%); 2) nas áreas aberta do campus (46,5); na sala de professor (12,6%) e na moradia estudantil (11,3%). Professores respondem por 39,7% das agressões e os colegas por 37,1%. A pesquisa aponta que estudantes mulheres, que presenciaram ou sofreram algum tipo de violência, especialmente bissexuais, brancas/os ou negras/os, descrevem mais frequentemente vivenciar a instituição como um lugar inseguro.

E quanto analisam eventuais medidas de proteção e prevenção da violência, o artigo descreve que (p.14):

Entrevistando 11 estudantes do sexo feminino, a maioria de São Carlos e do seu entorno, outra investigação corrobora que essas estudantes estavam expostas a múltiplos cenários de violência (Navarro, 2021). As participantes discorrem sobre agressões físicas, violência emocional e violência sexual em diferentes momentos das suas vidas. Os resultados mostram sequelas dessa violência na forma de medo, insegurança, baixa autoestima, depressão, ansiedade, distorções da representação do seu próprio corpo, entre outras. Essas experiências claramente deixaram marcas que seguirão essas mulheres ao longo das suas vidas. Ter sido exposto/a a condições diversas de violência também tem sido relacionado com outras vulnerabilidades, especificamente ao consumo excessivo de álcool (Priolo Filho, 2013).

Uma análise quantitativa e documental dos processos de desligamento e reintegração dos estudantes de graduação, produzida através do exame de registros da Divisão de Gestão e Registro Acadêmico (DIGRA/ProGrad), foi realizada abrangendo o período entre o segundo semestre de 2018 e o segundo de 2019. O resultado dessa investigação mostrou que redução da saúde física e mental, problemas de relacionamento com professor, assédio sexual/ violência de gênero, aparecem como elementos que desempenham papel importante na instabilidade de estudantes na relação formal com a instituição e as condições para a conclusão do processo formativo (Durães, 2020). 

Em dissertação que avaliou qualitativamente dimensões das políticas de permanência das ações afirmativas na instituição, 17 discentes cotistas descrevem suas experiências no cotidiano da UFSCar (Cavichiolo, 2019). Embora reconhecendo a importância do que estava sendo implementado naquele momento como parte da política, esses discentes descrevem condições preocupantes de banalização da violência, preconceito, racismo, falta de acolhimento e empatia das pessoas com quem convivem diuturnamente.  Mesmo as pesquisas que escutam servidores, envolvidos na implementação dessas políticas de inclusão para promoção da diversidade, reconhecem a complexidade e os limites que ainda enfrentamos nas atividades diárias de atuação (Pereira, 2020).

As experiências de racismo não começam nos espaços da instituição, mas acompanham nossos/as estudantes e servidores/as negros/as desde suas primeiras experiências nos bancos escolares, estendendo-se sem muita resistência para os espaços acadêmicos institucionais (Spindola, 2022). Acrescenta um elemento desafiador e doloroso na vivência diária, tensionando o exercício da carreira profissional e a maternagem de mulheres negras (Martins, 2021), adicionando sofrimento diário as experiências do docente negro e daqueles em formação para a docência (Machado, 2007; Silva, 2013).

Pesquisas endereçando participantes de diferentes culturas indígenas na instituição revelam comportamento preconceituoso por parte dos não indígenas, alguns deles servidores na instituição; são descritas experiências persistentes de desvalorização da capacidade cognitiva, do modo de vida e dos costumes desses povos. Os resultados evidenciam a necessidade de ampliação dos processos de trocas culturais numa via dupla, para o crescimento e transformação de todas as pessoas envolvidas, na direção do respeito à diversidade (Momo, 2019; Corezonmaé, 2017).

Nesse momento histórico, para aqueles/as preocupados/as com direitos humanos e defesa da vida é fundamental debruçar-se sobre as questões envolvendo a violência direcionada para as pessoas LGBTQIAP+. Infelizmente estatísticas preocupantes e vergonhosas nos alcançam pela Transgender Europe, uma rede de advogados que atua em defesa dessa população em grande parte da Europa, através dos dados angariados por projeto dessa organização que registra mortes dessa população ao redor do planeta. A pesquisa computa dados de documentação judicial/oficial que indiquem morte violenta por homofobia/transfobia, sendo as últimas estatísticas divulgadas referentes ao período entre 01 de outubro de 2021 e 30 de setembro de 2022 (Trans Murder Monitoring, 2022). Oficialmente foram computados 327 assassinatos de pessoas gênero diversas e trans; dessas vítimas 95% eram trans mulheres ou pessoas transfemininas, sendo 68% dos assassinatos registrados na América do Latina e Caribe. O Brasil liderou pelo 14º ano o número de mortes registradas, sendo o país onde se observou, no período em análise, 29% dos homicídios (96 casos), seguido por México (56 casos) e Estados Unidos (51 casos). E essa ferocidade estrutural e cultural não contida atravessa os espaços e adentra as universidades, fomentando episódios de violência física, bullying, preconceito, entre outros; violência direcionada tanto para a comunidade estudantil, quanto à servidores da instituição (Castelani, 2018; Cardoso, 2022; Yamaguti, 2022).

A violência contra pessoas com deficiência ainda carece de indicadores epidemiológicos e estatísticas no País. No entanto, os resultados em geral mostram que pessoas com deficiência, quando comparadas aos seus pares sem deficiências, são usualmente mais vulneráveis a sofrerem violência. Pesquisa examinando indicadores do Disque Direitos Humanos-Disque 100 (Lima, 2018), identificou que entre os anos de 2011 e 2017 foram registradas, em média, 8.800 denúncias (DP=2.879) envolvendo essa população. A maioria dos casos eram relatos de negligência (35,8%), com as violações acontecendo no espaço do lar (85,6%). As vítimas eram majoritariamente mulheres (52,8%) e pardas (29,7%). Com a ampliação e fortalecimento das políticas de inclusão, se faz cada dia mais urgente gerar condições efetivas para lidar com os desafios, presentes na nossa sociedade com relação a essa população, majoritariamente constituídos pelos processos sociais de estigmatização (Goffman, 1988).  

Adicionalmente, a ocorrência de conflitos interpessoais e práticas de assédio moral no trabalho, principalmente pelas práticas abusivas das relações de poder, também têm consequências negativas para a saúde mental e qualidade de vida dos servidores, para as organizações públicas e para a própria sociedade. É fundamental para o bom funcionamento da institucional, a efetiva gestão dos conflitos internos presentes nas relações entre as diferentes categorias, em especial reduzindo ruídos que levam a crises e até a processos de solicitação de remoção de unidades, sem razões funcionalmente justificáveis (Almeida, 2018; Loureiro,2015; Witzel, 2020). 

Trabalho que entrevistou mulheres bolsistas produtividades do CNPq, em exercício no ano de 2015 (75 docentes), identificou também nesse grupo uma percepção recorrente de pressão e desvalorização do próprio trabalho, alimentada predominantemente por vieses de gênero. O conteúdo das entrevistas desvela tensões criadas pelas vivências da vida diária dessas mulheres – no exercício da maternidade, no papel de cuidadora de familiar idoso, entre outros- e as exigências de produtividade das agências de fomento; elementos que adicionam estressor diário às atividades acadêmicas. Essas mulheres admitem ter dificuldades de trabalhar num ambiente tipicamente androcêntrico; identificando no convívio do dia-a-dia a “falta de reconhecimento da capacidade, problemas que se perpetuam ao longo do tempo” (Carvalho, 2015, pg.123).

Somando-se a todo esse cenário é importante destacar o compromisso que precisamos ter com a população de colaboradores terceirizados que cotidianamente laboram em nossos campi. A terceirização de serviços promoveu a redução da máquina estatal, aumentando concomitantemente um grupo de trabalhadores que exerce funções anteriormente providas por funcionários públicos concursados, porém sem que os direitos trabalhistas e conquistas profissionais lhes fossem igualmente estendidos. A precarização do trabalho e a desigualdade observada diariamente nas vivências institucionais, apresenta para a instituição um quadro de violência e desigualdade social difícil de ser ignorada, com sofrimentos que batem rotineiramente nas nossas “portas e salas” (D’Angelo, 2015; Roldão, 2022).

Para além dos dados observados em pesquisa foram objeto de apreciação o registro geral de ocorrências violentas registradas por unidades institucionais que lidam administrativamente com o tema. A Ouvidoria Geral da UFSCar descreveu que, para os quatro campi, no período de janeiro 2018 a agosto 2022, ocorreram 63 manifestações sobre casos de supostas violências, dos quais destacaram 20 ocorrências de assédio sexual, 34 assédios moral, e 09 ocorrências de registro de racismo. Por sua vez, a Coordenadoria de Processos Administrativos Disciplinares (CPAD) informou que no período de 2018 a 2022 foram abertos oito processos investigativos ou punitivos por casos de violência, sendo 03 desses relativos à denúncia de assédio moral e 05 de assédio sexual. A Prefeitura do Campus de São Carlos encaminhou o registro de eventos lançados nos boletins internos nos períodos de 2018 a 2021. A unidade registra, em média, 608 ocorrências nesse campus, tendo computado no período 99 furtos/roubos (incluindo assalto à mão armada), 34 diferentes tipos de prestação de socorro e 46 acidentes de veículos. 

A violência é um fenômeno frequente e naturalizado nas vivências diárias no País e no interior da instituição. Para exercer plenamente sua função de transformação social, precisamos enfrentar a realidade dessa violência dentro dos nossos próprios muros e nos municípios onde estamos inseridos. A política institucional tem como objetivo subsidiar processos educativos e reguladores das relações humanas nos mais diversos ambientes físicos e sociais, comprometidos com a defesa da cultura da paz, da valorização da diversidade, da excelência acadêmica nunca dissociada do compromisso e da responsabilidade social.  

 

1.3) Dos Fundamentos nas Normativas Institucionais

 

A UFSCar é reconhecida pela sua excelência acadêmica que anda lado a lado com o seu compromisso social. Essa instituição foi uma das pioneiras em promover políticas de ações afirmativas, com o compromisso de colaborar para a democratização do acesso ao ensino superior de grupos sociais que historicamente estão excluídos das universidades devido à grande assimetria de oportunidades, decorrente de uma sociedade estruturada em cima de relações violentas tais como o racismo, o sexismo, a LGBTQIAP+fobia, o capacitismo.

Este compromisso com a construção de uma sociedade que seja cada vez mais justa e assentada em relações de equidade, está descrito e reiterado em diversos documentos que tem como objetivo firmar os princípios que sustentam a UFSCar e orientar ações, estratégias, projetos e processos institucionais.

No próprio Estatuto da UFSCar encontramos, no seu artigo 2o. os seguintes princípios:

Art.  2º.  A  Universidade  goza  de  autonomia  didático-científica,  administrativa, de  gestão  financeira  e patrimonial  e  reger-se-á pelos seguintes  princípios: I  -  excelência acadêmica; II -  compromisso  com  uma  sociedade  democrática,  soberana,  com participação  popular  e  justiça social; III  -  gratuidade  do  ensino; IV  -  indissociabilidade  entre  ensino,  pesquisa e  extensão; V  -  livre acesso  ao  conhecimento; VI  -  promoção  de  valores  democráticos e  da  cidadania; VII  -  gestão  democrática,  participativa e  transparente; VIII  -  sustentabilidade  e  responsabilidade  ambiental; IX  -  valorização da  dedicação integral  ao  ensino,  à pesquisa e  à extensão; X  -  integração  no  sistema nacional  de  ensino.  

O compromisso com a construção constante de uma sociedade democrática,  soberana, com participação  popular  e  justiça social e com a promoção de valores democráticos exigem o imperativo ético de colocar a universidade pública a favor de processos que visem a reflexão crítica acerca das diversas formas de violências que pairam e sustentam as relações sociais e a própria estrutura social brasileira e, ao mesmo tempo, lançar mão de ações que visem o combate à estas violências.

Neste sentido, é de extrema importância manter este debate sempre aberto e atento junto à comunidade universitária, relembrando princípios e construindo caminhos para que possamos atuar na prevenção, redução e mitigação de danos da violência na Instituição.

No Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) atualmente em vigor (2018-2022) reconhecemos elementos da identidade e planejamento institucional que têm afinidade com as temáticas relacionadas a violência. A missão da instituição seria “desenvolver, ensinar e disseminar a Ciência e Tecnologia gratuitamente, e preservar a memória e as culturas local, regional e nacional” (PDI, p. 35). E no próprio desenvolvimento dessa missão, encontramos que a mesma “deve ser implementada por meio de políticas que valorizem preceitos éticos, morais e sociais, e que fortaleçam a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão bem como a relação dialógica da instituição com diferentes segmentos da sociedade, de tal forma que, sendo parte dela, contribua para a construção de uma sociedade democrática, justa e ambientalmente sustentável”. (PDI, p. 35)

Ao detalhar suas políticas institucionais, destaca sua responsabilidade social especificamente salientando como eixos dessa política: 

 

"Promoção de ações afirmativas de inclusão social e permanência na educação superior, garantindo o ingresso nos cursos de graduação por meio da destinação de 50% das vagas pelo sistema de cotas destinadas a estudantes de baixa renda oriundos de escolas públicas, pessoas negras, pardas ou índios e deficientes físicos." (PDI, p. 82).

"Respeito aos direitos humanos, com uma pauta propositiva de defesa à diversidade étnica, religiosa, de gênero, de classe ou casta, com repúdio a prática de atos que importem em qualquer tipo de discriminação ou violação de direitos." (PDI, p. 82)

"Abordagem equilibrada que otimize as sinergias entre as vertentes econômica, social e ambiental, de modo a privilegiar o desenvolvimento sustentável." (PDI, p. 83)

 

Nas diretrizes voltadas para as ações estratégicas de permanência estudantil encontramos que 

 

“as estratégias endereçadas para a permanência estudantil são as seguintes: buscar a garantia do caráter público e gratuito da Instituição, trabalhar a inclusão educacional e social, pautada na igualdade de condições, para acesso e permanência com êxito do/a estudante no seu percurso educacional; analisar, planejar e promover ações que visem à redução dos índices de evasão e retenção universitária, quando motivadas por fatores socioeconômicos; mitigar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; trabalhar a convivência, com base no respeito e na solidariedade, observando preceitos éticos; preparar o corpo discente para intervir de forma consciente, crítica e criativa na sociedade, respeitando as diversidades culturais, as diferenças individuais e coletivas, como agente de formação e de transformação dessa mesma sociedade; colaborar com a eliminação de preconceitos e discriminações, respeitando as diversidades étnicas, culturais, sociais, sexuais, geracionais, religiosas; promover ações de permanência e assistência estudantil de forma transdisciplinar”. (PDI, p. 117-118). 

 

A UFSCar é uma das poucas universidades que estabeleceu uma política institucional para o cuidado com as ações afirmativas, diversidade e equidade, compreendendo que, além de mecanismos de reservas de vagas para grupos sociais historicamente alijados do ensino superior, é também necessário cuidar das relações pessoais e institucionais no âmbito da universidade.

Neste sentido, a Política de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade da UFSCar aponta uma série de diretrizes gerais e específicas que visam o combate a toda e qualquer forma de violência e de preconceito, bem como (re)afirma o compromisso da UFSCar para a construção de uma sociedade cada vez mais justa.

Abaixo seguem os princípios que orientam a Política de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade da UFSCar:

 

SEÇÃO 2

DA POLÍTICA PER SI

 

2.1) Dos pressupostos fundantes

 

A política de prevenção, redução e mitigação da violência na instituição deve ser organizada no contexto da transversalidade e de sua pluralidade. Todas as práxis institucionais devem ser estruturadas de forma a fomentar o livre pensar aos docentes, discentes, técnico-administrativos e colaboradores, estimulando uma prática baseada nos princípios da ética, do respeito à diversidade, da solidariedade e da justiça social. 

A Universidade deve ser pensada também no seu tempo, privilegiando uma organização inovadora, criativa e socialmente sensível, que permita manter a tradição de excelência acadêmica, atuação democrática e compromisso social, numa sociedade global em reconstrução e reorganização enquanto submetida às exigências da pandemia e no período pós-pandêmico.

A violência na instituição envolve diferentes níveis de interação, com processos violentos sendo observados entre membros de diferentes categorias, a saber: docente/discente, docente/técnico-administrativo, servidores/terceirizados, discentes/terceirizados. No entanto, a violência e processos abusivos também podem ser observados entre membros de uma mesma categoria, a saber: entre alunos, entre técnicos-administrativos e entre docentes. Dessa forma, qualquer ação para promover uma redução da violência, deve prever regulamentação e atuação para esses diversos níveis de vivências abusivas. Para essa implementação se deve organizar processos formativos sobre violência e formas de contê-la, nas mais diferentes esferas da instituição, em especial a capacitação continuada para gestão das relações humanos e mediação de conflitos. Primordialmente precisamos reconhecer que a prevenção e a redução da violência é responsabilidade de todas as pessoas.

Além das ampliações na política de formação, precisamos investir na estruturação, aperfeiçoamento e divulgação ampla das unidades envolvidas nos processos de recebimento e apuração de denúncias, de forma a aumentar a efetividade e eficácia das suas funções. No recebimento e apuração das denúncias deve ser previsto um processo de acolhimento da vítima, ético e humanamente estruturado, prevendo e fortalecendo redes de apoio. No tratamento das denúncias se deve igualmente assegurar os princípios constitucionais de ampla defesa e contraditório. Para tanto, parece fundamental aperfeiçoar normativas internas que regulem todos esses processos, definindo inclusive de forma mais clara as estruturas e esferas de responsabilidade e responsabilização. 

Coleta de informações, desenvolvimento de ações na esfera formativa, preventiva e reguladora são cruciais para organizar esses processos de tal forma que as diferentes ações no combate à violência possam ter algum tipo de governança de integração. Essencialmente todas as ações desenvolvidas para promover suas diretrizes e alcançar os objetivos propostos podem ser organizadas em quatro diferentes eixos: (1) Prevenção; (2) Acolhimento; (3) Apuração e Responsabilização; e (4) Monitoramento.

A prevenção envolve processos de formação para conscientização sobre o tema, proporcionando conhecimento e mudanças na cultura da organização e de seus indivíduos. As ações educativas devem promover um ambiente seguro, inclusivo e igualitário para todas as pessoas. Esses processos formativos devem forçosamente incluir toda a comunidade, capacitando os seus membros para entender os mecanismos inerentes as relações abusivas e as condições que as evidências têm demonstrado contribuir para uma cultura da paz. A Universidade, com sua missão primordial de formação do cidadão com compromisso social, deve prover processos educativos sobre essa temática em todos os seus níveis de atuação: formar toda a sua comunidade para efetivamente ser protagonista na construção da paz e redução da violência; identificar populações vulneráveis atuando na mitigação dos danos da violência; capacitar e apoiar vítimas de violência visando o desenvolvimento de recursos pessoais que promovam a superação, a resiliência e a construção de uma vida plena; promover a capacitação de agressores para o respeito a diversidade, desenvolvimento da empatia e comunicação não violência, fundamentado no pressuposto que a educação transforma; promover através da educação a divulgação de atitudes e comportamentos que, baseado em evidências científicas, demonstrem efetividade na formação de uma sociedade voltada para a construção da paz. 

Implementar medidas de acolhimento envolve o cuidado com os indivíduos exposto a riscos psicossociais e de retaliação no ambiente de trabalho e de formação. Deve disponibilizar um canal de comunicação aberto e confidencial, para que as vítimas possam relatar suas experiências. Adicionalmente deve ser priorizada uma rede de apoio físico, emocional e social, tendo a vítima como centro desse cuidado. Fomentar, desenvolver, apoiar e dar visibilidade às redes disponíveis para o apoio à vítima e aos que sofrem com os subprodutos das relações violentas deve ser um processo de continua construção e renovação.

A apuração e a responsabilização envolvem o desenvolvimento de ações que instrumentalizem as instâncias competentes para ter conhecimento da violação de condutas, atribuir de forma inequívoca a responsabilização, considerando o devido processo legal e a ampla defesa. Essas ações devem estabelecer minimamente: 1) a responsabilidade de cada um dos atores da instituição nesse processo; 2) normativas e instruções que regulem relações, papéis e medidas previstas para os diferentes casos; e, 3) a capacitação da comunidade para atuar nessas instâncias de apuração, mediação e responsabilização.

Para o desenvolvimento e acompanhamento de qualquer política é imprescindível constituir redes de monitoramento, alimentando uma base de dados sólida e constantemente atualizada, com evidências para tomada de decisão, estabelecimento de prioridades e avaliação efetiva das ações implementadas. Além do registro e transparência das condições institucionais, esses processos de monitoramento também devem ser delineados para o acompanhamento dos indivíduos envolvidos em episódios de violência identificadas e denunciadas. O monitoramento e cuidado voltado para o bem-estar e qualidade de vida da vítima da violência deve ser previsto como um mecanismo de redução dos danos e de empoderamento para superação e retomada de uma vida plena. Igualmente se faz necessário o acompanhamento de vitimizadores identificados e processualmente comprovados, buscando promover um processo de educação para a cultura da paz, evitando ou responsabilizando de forma justa a reincidência dos comportamentos violentos na instituição. 

 

2.2) Da Abrangência

A política para a prevenção, redução e mitigação de danos da violência deve envolver em sua organização e execução todos os atores presentes na comunidade, a saber: docentes efetivos, temporários ou voluntários; técnicos-administrativos efetivos, temporários ou voluntários; discentes de graduação, discentes de pós-graduação stricto sensu e/ou lato sensu, colaboradores terceirizados quando em atividade na instituição; membros da comunidade externa quando em atividade na UFSCar. 

 

2.3) Dos Valores da Política

 

2.4) Dos Princípios norteadores

 

2.5) Das Diretrizes

 

2.6) Dos Objetivos


 

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APÊNDICE

Durante a discussão das diretrizes e objetivos da política, algumas ações foram apresentadas como propostas como atividades que promoveriam alguns dos objetivos desenhados. Considerando a experiência dos proponentes e a diversidade das atividades apresentadas decidimos registrar tais contribuições :

 

 

Em função de mudanças que estavam em andamento na estrutura da Coordenadoria de Processos Administrativos Disciplinares (CPAD), agora CoGMeC, encaminhamentos bastante específicos e operacionais foram apresentados para essa unidade da organização, a saber:

 

 


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Documento assinado eletronicamente por Ana Beatriz de Oliveira, Reitor(a), em 03/10/2023, às 10:46, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.


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Referência: Caso responda a este documento, indicar expressamente o Processo nº 23112.013080/2021-34

SEI nº 1207883 

Modelo de Documento:  Resolução, versão de 02/Agosto/2019